João Gabriel Tréz compôs o Júri da Crítica na 8ª Mostra de Cinema de Iguatu
É na mistura da precisão com a espontaneidade que esses filmes selecionados na 8ª Mostra de Cinema de Iguatu, com direção assinada pelo artista FluxoMarginal, encontram sua essência principal. “Calangros: um faroeste sobre o terceiro mundo” e “O que pode uma mulher que borda?”, ambos compondo a Mostra Cearense, se diferem entre si tanto quanto se aproximam a partir de operações de tempo empreendidas em ambas as produções.
Na sinopse, “Calangros” se apresenta como uma obra experimental “que tenta fazer um retrato da situação política, cultural e racional no Brasil hoje”. “No comando temos a improvisação total”, conclui a breve descrição. É uma boa forma de apreender o que se vê ao longo dos nove minutos do curta: um fluxo intenso, mas precisamente cadenciado, de recortes de sons e imagens advindos de diferentes fontes.
A reunião de distintos “samples” aproxima obras, imaginários e ideias, numa escolha que o filme faz em prol de operar aqueles fragmentos diversos em uma frequência precisamente específica para aquela proposta. A costura de tais elementos, dispostos de maneira gingada ao longo da duração, extrapola somente a forma e estabelece também uma lógica própria de discurso.
É pelo fluxo de imagens ritmadas que “Calangros” parte à reflexão sobre cinema e cultura, valendo-se de referências inúmeras, misturadas. convidando o espectador à uma espécie de “dança” - que é, também, uma ação/reação. “Se não entendeu”, avisa, “problema seu”.
Já “O que pode uma mulher que borda?” se vale de uma estrutura cinematográfica, de longe, mais reconhecível e tradicional. Um documentário sobre mulheres bordadeiras do Cariri cearense, o filme se constrói, em essência, a partir de entrevistas das instigantes personagens, concedidas num estilo “talking heads” (“cabeças falantes”) e cobertas por imagens de apoio.
Há, de fato, uma contenção em relação à explosão de “Calangros”, mas “O que pode uma mulher que borda?” não deixa de estabelecer pontos de individualidade e criação que tensionam certas “regras” do modelo adotado por si mesmo.
São pequenas, mas inspiradas, rupturas. Como, por exemplo, as “mesclas” que estabelece entre os segmentos de cada personagem, onde a imagem de uma surge na tela enquanto a voz da outra ainda ocupa o plano sonoro. A aparente desconexão, em verdade, sugere conexões entre aquelas mulheres.
Além disso, destaca-se uma sequência em especial registrada em “O que pode uma mulher que borda?” que carrega em si não somente o diferencial do filme, mas também de “Calangros”. Em determinada altura do curta, filma-se uma das entrevistadas enviesadamente de costas para a câmera. Ela está, ali, bordando com o auxílio de uma espécie de suporte vertical.
Este plano se alia a uma fala que profere sobre a relação da técnica com o tempo. Bordar, afinal, é uma prática que demanda paciência, ritmo, entrega. A sequência, então, dura um tempo estendido. O tempo que precisa durar.
Assim, a cena assume em si mesma, na forma, o alargamento de tempo que o bordado demanda. A assimilação - ou melhor, talvez, imbricação - entre formato e tema desponta enquanto escolha autoral da direção. Seja na cadência acelerada e ritmada de “Calangros” ou na permissão extensiva da sequência de “O que pode uma mulher que borda?”, a reverência ao tempo preciso para construir determinada ideia constitui-se como elemento essencial de FluxoMarginal.
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