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Diego Benevides

Ilha dos Cachorros (2018), de Wes Anderson

Quase dez anos depois de realizar o ótimo “O Fantástico Sr. Raposo” (2009), o cineasta Wes Anderson retorna às animações com “Ilha dos Cachorros”, vencedor do Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim desse ano. Para além de fazer uma carta de amor destinada a todos os cachorros do mundo, Anderson não abre mão das provocações políticas que caracterizam a cidade japonesa de Megasaki, administrada pelo prefeito corrupto Kobayashi.

Prestes a concorrer a uma nova eleição, Kobayashi convence a população de que o isolamento dos cachorros é necessário para o bem-estar social, já que eles estão doentes e ameaçam a vida na cidade. Assim, todos os cães são enviados para a Ilha do Lixo, onde tentam sobreviver em condições insalubres. É quando o jovem Atari, sobrinho do prefeito, aparece na ilha em busca de Spots, seu fiel companheiro que foi deportado para o lugar. Atari encontra alguns cães que o ajudam na missão, enquanto moradores rebeldes de Megasaki tentam impedir a extinção total dos cachorros da ilha.

O roteiro escrito por Anderson em parceria com Roman Coppola, Jason Schwartzman e Kunichi Nomura (que auxiliou na ambientação histórica da cultura japonesa) explora as diversas nuances já conhecidas do cinema do diretor, transitando facilmente entre o drama, o humor e o político. É muito fácil se encantar pelos personagens não apenas pela precisão do desenho de produção da animação, mas pelo carisma de cada um deles.

Ao mesmo tempo que o roteiro cria situações graciosas para Chief, Rex, King, Boss e Duke, a trama não pega leve com eles. Há certo toque violento que não os poupa por serem animais fofinhos, tornando esta uma produção bem mais adulta do que o esperado. Os cachorros vivem na fronteira de uma sociedade corrupta, o que traz alegorias atuais para o mundo hoje. O prefeito Kobayashi representa o lado mais podre dos governantes que tentam convencer seus eleitores de suas ações, quase incapacitando-os de ter uma opinião crítica.

Ilha dos cachorros (3)A trama questiona constantemente nosso papel na sociedade, mas sem entrar no tom panfletário ou de autoajuda. O poder do voto, o respeito ao território, a discriminação pelo diferente e os afetos (afinal, falar de cachorros é sobretudo falar sobre afeto) estão dispostos nas quase duas horas de duração do longa-metragem. Não é um retalho de temáticas pontuais, já que Anderson consegue dar uma unidade em suas abordagens, que se revelam à medida que a história tenta resolver seus conflitos que, algumas vezes, são controlados demais, mas Anderson não é grande fã do descontrole. Ele cria o cenário perfeito para que sua história seja clara, divertida, afetuosa e que a lição seja maior do que se espera.

Anderson faz claras homenagens a nomes como Akira Kurosawa e Hayao Miyazaki, desde a onstrução dos personagens até as temáticas de preservação ambiental e rupturas políticas da trama, além da trilha sonora de Alexandre Desplat, que recupera temas clássicos de Kurosawa entre suas composições. Desplat realiza um de seus trabalhos mais bonitos e sensíveis dos últimos anos, abrindo com muita competência a temporada de favoritos às premiações do cinema desse ano.

A estrutura narrativa de “Ilha dos Cachorros” talvez escorregue um pouco em sua cronologia, que abusa dos flashbacks descritivos e de pequenas burocracias para funcionar, mas as marcas visuais de Anderson, como os trajetos da câmera, as cores plurais e a precisão simétrica estão lá para manter o interesse pela história até o último minuto. Vale dizer também que o elenco de dubladores originais demonstra total respeito aos seus personagens, especialmente Bryan Cranston como Chief, que precisa de um trabalho redobrado para fazer de sua persona algo possível. Destaque também para Greta Gerwig como a revolucionária Tracy Walker, Scarlett Johansson como a cadelinha Nutmeg e Tilda Swinton como Oracle.

“Ilha dos Cachorros” é um filme feito com paixão, desde a escolha artesanal e detalhada do stop-motion até as homenagens à cultura japonesa e aos filmes clássicos, sempre com um visual deslumbrante capaz de deixar os principais estúdios de animação boquiabertos. Wes Anderson toca o coração de quem assiste, mesmo de que nem goste tanto de cachorros, por tratar uma história universal sobre respeito, amizade, fidelidade e, sobretudo, revolução e resistência. Pena que a Fox, responsável pela distribuição do filme no Brasil, não tenha investido no circuito de lançamento que o filme merece, deixando passar uma obra que tem tanto para ensinar para crianças e adultos que tentam manter a esperança no mundo.

Publicado pelo Autor no blog Diego Benevides

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