Dramas biográficos exigem, por parte de seus realizadores, uma atenção maior em torno dos tratos dados aos personagens retratados. Há de se ter, em maior ou menor medidas, um equilíbrio entre o que é fato reproduzido no filme enquanto obra de ficção, e as licenças poéticas que acompanham esse exercício em toda a sua potencialidade. Nesse sentido, Eu, Tonya é um feliz exemplo dessas questões.
O longa narra a história de Tonya Harding (Margot Robbie), patinadora americana cuja carreira ficou marcada pela polêmica em 1994 envolvendo sua colega de equipe, Nancy Kerringan (Caitlin Carver), quando Tonya e seu, há época, esposo, planejaram um atentado contra Nancy às vésperas das Olimpíadas daquele ano. O evento, que saiu do controle e até mesmo do conhecimento de Tonya, culminou com o seu banimento da patinação, tornando-a mundialmente conhecida em função desse incidente.
Dirigido por Craig Gillespie, o filme é uma viagem biográfica que trafega entre distintas variações tonais. Daí, temos momentos que soam muito enquanto uma comédia de humor negro, mas também trazendo elementos do drama mais tradicional. O tocante ato final de Robbie é exemplo disso. Nesse ponto, a “investigação” em torno da natureza de Tonya e todos os conflitos que a atravessam incrementam um peso que comedidamente equilibram os momentos de menor carga dramática.
Portanto, existem no filme pelo menos dois tempos. Um, situado no presente, e outro ambientado entre a ascensão e queda de Tonya em meados dos anos 1990. Nesse sentido, Gillespie mantém um atraente jogo de montagem, onde passado e presente/futuro estão em uma constante transição. Isso garante uma fluida dinamicidade para o ritmo do filme em seus 119 minutos de duração.
Assim, temos o tempo presente demarcado pelas entrevistas dadas por alguns dos personagens envolvidos na história e onde tudo é reconstruído como se estivéssemos a ver um documentário. Mas também há um tempo que retrata os eventos que reconstroem a carreira e vida pessoal da nossa protagonista. E apesar de toda a ambiguidade contida nas suas ações, ficamos com ela durante todo o filme. Entramos com ela na arena de gelo e estamos do seu lado a cada nova tentativa de agressão, seja por parte da mãe ou do marido abusivo.
Esse “aproximar-se” deve-se em grande medida à visceral atuação de Margot Robbie, que nos entrega certamente a melhor atuação de sua carreira, até o momento. Ela é forte, implacável, ambígua e igualmente carismática. Ela nos leva consigo nessa espécie de ascensão e derrocada de uma personagem fortemente construída e que em nenhum momento nos soa autoindulgente - o que ajuda a manter o caráter sóbrio do filme como um todo.
O conjunto das atuações, à propósito, é um dos pontos mais fortes do longa. E ao lado de Robbie, Sebastian Stan, como o marido neurótico, ingênuo e violento; e Allison Janney, como LaVona Golden, a mãe manipuladora e irredutível de Tonya, completam um maduro elenco que dão bastante consistência à trama ali desenvolvida. Numa prova de que um casting formado por experientes atores e seus subsequentes repertórios são fundamentais para o tom que um filme pode ter.
Aliado a um roteiro que ousa na mescla entre a narrativa mais tradicional, com a exposição seriada de eventos e a interação dos personagens com os espectadores, em um exercício estético de quebra da quarta parede cinematográfica, Eu, Tonya, é, sem dúvidas, um dos filmes biográficos mais autênticos desse início de ano, com certeza.