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George Pedrosa

Bone Tomahawk (2015), de S. Craig Zahler


"Bone Tomahawk" é um filme esquisito. Durante quase todo seu tempo de projeção, o longa de estreia de S. Craig Zahler parece seguir os passos dos faroestes clássicos, sem grandes surpresas exceto a própria aderência à velha premissa dos “caubóis vs. índios” - tão antiquada que já havia caído em desuso antes mesmo do declínio dos westerns. Isso é, até o terceiro ato, quando o filme segue um desvio radical para outro gênero relativamente esquecido – e bem mais brutal.

Tendo início como uma repetição da trama de "Rastros do Ódio", na qual protagonistas partem em uma jornada para salvar uma donzela sequestrada, "Bone Tomahawk" é um tipo de filme difícil de se fazer hoje em dia – não só pelo baixo potencial lucrativo de faroestes e pela dificuldade em contar histórias de gênero autocontidas numa indústria dominada por franquias e sagas, mas também pela própria natureza potencialmente ofensiva da premissa.

Nativo-americanos como vilões unidimensionais, felizmente, não têm mais tanto espaço nas telas, o que leva o filme a introduzir uma categoria específica de adversários que jogam a trama no território ainda mais estranho e exótico das histórias pulp sobre civilizações perdidas. A todo momento somos lembrados pelos personagens que aqueles não são índios, mas Trogloditas: canibais albinos com dois metros de altura e ossos protuberantes que se comunicam por guinchos animalescos, tão brutais e malignos que sua mera presença praticamente força a narrativa a mudar de gênero e virar um filme italiano de canibais.

Mas os dois primeiros atos da trama são percorridos com paciência – esse é um filme de intervalos e atrasos preenchidos por falas marcantes. Com ampla experiência como escritor de romances de faroeste, Zahler tem um ouvido aguçado para diálogos, que oscilam entre o espirituoso e o brutal muitas vezes no espaço de uma sentença (“Sr. Brooder acabou de educar dois mexicanos sobre o significado de destino manifesto”). As interações são realçadas pela direção minimalista e não-intrusiva, com pouquíssima incidência de trilha sonora, deixando os personagens e as situações guiarem a trama.

A primeira hora de "Bone Tomahawk" por si só já é uma das melhores experiências com faroestes que tive nos últimos anos, beneficiada por um elenco que traz frescor e expressividade para velhos clichês do gênero: Kurt Russell, o principal chamariz do filme, como o xerife honrado e corajoso; um quase irreconhecível Richard Jenkins como o “ajudante reserva” de xerife propenso a monólogos tergiversantes; Patrick Wilson como o marido desesperado que precisa superar um ferimento na perna para salvar a esposa e Matthew Fox como uma espécie de pistoleiro cavalheiresco que, sob uma fachada de nobreza, esconde um racismo incontrolável.

Fox e Jenkins em particular são grandes destaques, e o último, um dos atores americanos na ativa mais subestimados, oferece uma performance digna de indicações a grandes prêmios – se não estivéssemos falando de um filme de baixo orçamento sobre um confronto entre caubóis e canibais albinos.

Mesmo com uma mistura improvável de elementos de terror, "Bone Tomahawk" permanece um western acima de tudo, utilizando o amálgama de gêneros para explorar facetas inéditas de histórias sobre homens e mulheres vivendo na fronteira. Ao jogar seus caubóis numa situação extrema de filme de torture porn moderno, Zahler acaba encontrando novas camadas de humanidade e heroísmo nos arquétipos do faroeste – como na cena em que o xerife de Rusell presencia um momento particularmente brutal (quem viu o filme sabe exatamente qual é) e tenta trazer conforto à vítima da única forma que pode.

Feito por alguém com paixão pelo estranho e inusitado, "Bone Tomahawk" é, junto com produções recentes como "A Bruxa" e "Ex Machina", mais uma evidência do território fértil que o Cinema independente fornece para histórias de gênero não-convencionais, do tipo que anda sendo empurrado para a extinção no circuito comercial pelas grandes franquia.

Publicado pelo autor no Clube Cinema.

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