Crítica é, em essência, opinião. Não é pautada por informações externas àquilo que está na tela, mas corre um risco vivo de ser vítima dos preconceitos e simpatias de quem a escreve. E a verdade é que muita gente quer gostar de “A Luneta do Tempo”, a narrativa épica de cangaço dirigida por Alceu Valença. O triste é ver o esforço de parte da crítica em encontrar motivos para elogiar um filme que simplesmente não funciona.
Gostar da música de Alceu Valença não significa gostar do filme dirigido, roteirizado e musicado pelo pernambucano. Ele segue gênio – só que se perdeu em um campo que não domina. Mesmo a música soa perdida na estrutura mambembe de “A Luneta do Tempo”. A repetição de um ritmo circense irrita. A poesia na fala acaba se confundindo com as músicas repletas de poemas e tudo soa ainda mais artificial do que a direção de arte limpa de um interior nordestino de meados do século XX. Por mais que as músicas sejam boas, no filme elas soam artificiais – uma forçação de magia na dureza do cangaço.
A musicalidade, no entanto, é o que há de melhor no longa. Estreante no ofício cinematográfico, Alceu Valença não hesitou frente ao desafio de abrir seu filme com uma cena de ação, gênero de difícil montagem mesmo para cineastas mais experientes. Confusa, lotada de diálogos e com um ritmo intermitente, o duelo do grupo liderado por Lampião (Irandhir Santos) contra os volantes de Antero Tenente serve para expor a confusão de roteiro e montagens do filme.
Nesse momento inicial, por exemplo, é estabelecido o antagonismo entre Antero Tenente e o cangaceiro Severo Brilhante (Evair Bahia), que é ressaltado na segunda parte do filme. Para além das disputas de Lampião, morto ao fim do primeiro ato, “A Luneta do Tempo” se desenrola ainda na geração filha de cangaceiros. Severo (Ari de Arimateia) é filho do mágico Nagib Mazola (Ceceu Valença), estrangeiro que também teve um caso com a esposa de Antero Tenente. Essa relação entre os dois é, aliás, ressaltada a cada curva do filme, o que tira qualquer impacto no desenrolar.
Apesar do roteiro absolutamente linear, o filme parece trocar de protagonista a cada cena. Após a morte de Lampião, o personagem continua influenciando a história com versos poéticos que remetem ao cangaço mágico de Ariano Suassuna. Com isso, Severo e a “segunda geração” nunca se estabelecem na tela, ainda que protagonizem o ápice da obra. Tudo isso para que Lampião possa “brincar de amor e poesia” com Maria Bonita (Hermila Guedes) e com a inútil luneta do tempo. O filme acaba flertando com faroeste, romance poético, drama circense e musical sem se estabelecer em qualquer um dos gêneros.
Apesar de um elenco de grandes nomes, encabeçado pelos excelentes Irandhir Santos e Hermila Guedes, a direção imprecisa perde até os talentos desses atores. O intérprete de Lampião, por exemplo, parece mais preocupado com os maneiros do olho cego do que em estabelecer as dualidades do personagem – um anti-herói, caba macho e sensível. Outros personagens, como Severino Castilho (Tito Lívio), um cordelista alcoólatra, parecem buscar uma estrutura épica para a narrativa, mas não funcionam nem humorística, nem dramaticamente.
Dói dizer, mas Alceu Valença teve uma semente de boa ideia ao pensar em duas gerações de conflito no cangaço. Mas a inabilidade em levar isso à tela acaba fazendo a obra se perder por completo.
Publicado pelo autor no Jornal O POVO.