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Eric Magda

20º Festival Noia: a simplicidade e a prepotência

Eric Magda compôs o Júri da Crítica do 20º Noia - Festival do Audiovisual Universitário com Beatriz Saldanha e Thiago Henrique Sena. Confira os filmes premiados aqui.

Lidando com uma realidade pandêmica e pós pandêmica, os filmes selecionados pela curadoria do ano de 2021 do Festival NOIA podem parecer um tanto repetitivos. Muito foi feito sobre ensaio, sobre estar em casa e em contato consigo e é totalmente compreensível como o fazer artístico foi severamente afetado pela quarentena. Afinal, é complicado viver olhando para as mesmas paredes durante muito tempo e a vontade de fazer cinema grita para o realizar como se pode.


Visando não apenas a valorização das produções locais, de diretores estreantes e universitários com muito pela frente. O produto final de Carta para Inês se concretiza como uma vídeo-carta sobre um romance, um romance interrompido em meio ao afastamento entre estas duas amantes - Ana e Inês. Uma certa subjetividade do olhar pela cidade de Cascavel e a presença da solitude consequente do afastamento entre o relacionamento das duas dá um toque importante à obra. Tal como uma relação onde você não vê saída, enquanto não se avança e não se termina, a obra possui planos onde o público é capaz de sentir a claustrofobia de andar, andar e não chegar a qualquer lugar.


Não de uma forma monótona, pelo contrário, em seus três minutos e pouco o curta experimental consegue mergulhar a audiência numa carta de despedida. Com uma imagem granulada sendo forte adição ao conceito estético de se mandar cartas, combinado ao áudio da voz de Ana, interpretada por Débora Sayane, se juntam para forma uma video-carta de teor emocional simbolizando um término. A obra é simples, acho que é uma das coisas que mais a faz se destacar, não se trata de uma obra pretensiosa fazendo muito caso de uma situação banal.


O roteiro é assinado por Ana Kirley Matias e Eduardo Magalhães, com consultoria de Dominik Batista. Com uma proposta bem comum e ingênua, o filme se torna agradável de se ver em meio a outras obras cheias de pretensão e conceito sem verdade de deslumbrar. Cinema pode ser feito de muitas formas, mas em meio a mais de um ano em lockdown, devemos incentivar propostas cada vez menos feitas para carregar um peso pretensioso e apostar em outras agradáveis de forma acessível. Cada vez mais é preciso desmistificar que obras pretensiosas e complicadas são deslumbrantes e boas, pois podem terminar parecendo vazias e sem sentido.


Em 2021 gostaria de não estar criticando a falta de vontade dos profissionais cis escrevendo e realizando trans protagonizadas por pessoas trans mas cá vamos nós. Na mostra Nacional do Festival Noia tivemos a presença de Não Me Chame Assim, filme sobre uma travesti prestes a fazer a cirurgia de redesignação de sexo e cujo namorado não aceita que isso aconteça. Primeiramente é sobre uma pessoa trans e a cirurgia de redesignação de sexo, algo extremamente longe de original pois a trama é uma das mais antigas quando se trata de personagens trans.


Então temos a ideia de como pessoas trans são fadadas a sofrer, seja pela família, seja por relacionamentos amorosos, algo apresentado em um dos diálogos do filme. Bem, outra trama extremamente usada - especialmente por pessoas cis em locais de poder para realizar produções - é essa de pessoas trans cujas famílias não as aceitam e marcadas por sofrimento em relações amorosas. É como se o imaginário cisgênero não fosse capaz de imaginar qualquer outra possibilidade para os corpos trans, ou talvez não seja interesse de narrativas cisgêneras mostrar pessoas trans não marcadas por dor ou sofrimento.


Deixando de lado quesitos estéticos, peço para que pessoas cis não sejam salvadoras, cada vez mais pessoas trans podem ser contratadas para roteiro. Não apenas roteiro, mas também direção, fotografia, som, direção de arte, edição, preparação de elenco, e essa é a melhor forma de usar o audiovisual como uma forma de transformação da sociedade. Estamos em 2021 e ainda há muito pouco de obras feitas de fato por pessoas trans sobre sua narrativas, assim como há pouco sendo feito sobre aceitação, sobre felicidade, sobre rumos não pautados e dor e sofrimento. Há muito de pretencioso dentro da cisgeneridade em acreditar estar fazendo muito pelas pessoas trans quando permanecem nos ofertando uma única narrativa.

 

Eric Magda é graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis. Tem trabalho em produção e roteiro, focando em protagonismo feminino, negre, trans e não binário na frente e por trás das câmeras.

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