Eric Magda compôs o Júri da Crítica do 16º For Rainbow - com Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero com Larissa Bello e Rodrigo Passolargo.
Atualmente o cinema negro está cada vez mais ganhando seu merecido reconhecimento no território brasileiro, seja em mostras e festivais como em salas comerciais de cinema. Mesmo a curtos passos, é notável como aos poucos as ideias de realizadores negros ganhando forma e inclusive salas de projeção. Mesmo assim, ainda não vemos tantas histórias sobre vivências negras e LGBTQIA+, especialmente não tanto quanto histórias sobre a branquitude LGBTQIA+. O curta-metragem "Procura-se Bixas Pretas", dirigido por Vinícius Eliziário, esteve presente na seleção nacional no 16⁰ Festival For Rainbow, trazendo o misto de ficção e realidade em seu registro de uma chamada de elenco para o projeto em desenvolvimento do diretor, Tigrezza.
Inclusive, é muito interessante essa brincadeira entre o real e o não real do documentário. Considerando se tratar de uma chamada de elenco, havia um texto guia sobre os personagens em questão, sendo este texto parte da ficção do filme. Através do recurso textual, o diretor e roteirista pode mostrar sua sensibilidade pela vivências de corpos negros pertencentes a sigla LGBTQIA+, pois as pessoas na frente da câmera podem visivelmente se enxergar em meio a história ali. As vivências da personagem Tigrezza, como uma bixa preta, afeminada, cujo o brilho é muito para a maioria dos bofes. Evidenciando muito da homofobia internalizada dentro da comunidade, como a solidão das afeminadas, rejeição e a busca da figura do 'homem hétero' fora do meio hétero.
Essencial aqui ressaltar a metalinguagem do nome do filme, “Procura-se Bixas Pretas” em meio a um festival sobre diversidade onde não há outras obras sobre a homossexualidade de homens pretos vindas do Brasil. É como se fosse uma crítica à própria curadoria, buscando entender o que houve com as demais histórias sobre bixas pretas. Afinal, não cabe numa mão o número de filmes com protagonismo branco (ou mesmo feitos por pessoas brancas) e é de se questionar os locais onde obras brasileiras com bixas pretas não conseguem o mesmo alcance.
Se o trabalho do diretor Eliziário consegue levar os olhos para como esses corpos são tratados dentro de uma comunidade onde deveriam ser abraçados, necessitamos pensar como essa comunidade frequentemente fecha os olhos para quesitos sobre etnia e raça. Estamos no Brasil, com uma grande população negra, é de se imaginar onde estão as demais histórias LGBTQIA+ feitas por e para as pessoas negras dessa nação.
Ao falar sobre Tigrezza, temos uma personagem afeminada, com um brilho e um glamour, mas aquela sua feminilidade é frequentemente recusada por possíveis parceiros. Muito se pode ler disso, sobre como a heteronormatividade consegue permear a sociedade afetando relações não heterossexuais. Falando-se em bixas pretas, a rejeição por parte da sociedade vai para muito além do âmbito sexual, frequentemente sendo alvos de diferentes violências ao longo de suas trajetórias.
A forma como o diretor capta as expressões de quem está fazendo a leitura do papel, como as vivências descritas pela personagem Tigrezza reverberam muito com as suas próprias, é realmente admirável. O real e o ficcional se cruzam frequentemente, não apenas na leitura da personagem principal, mas também daquele de seu amigo, Darnley.
Há muito a se explorar quando falamos sobre a masculinidade no mundo gay na proposta da chamada de elenco para o filme em questão. Subjetivamente aqui trazendo em consideração os corpos de homens pretos mais masculinos, atendendo ao esperado pela sociedade racista e heteronormativa. Quando o personagem de Darnley fala sobre as suas vivências sexuais, suas histórias trazem um fundo de autoflagelação, onde é evidente o quanto o personagem se reduz para ir de encontro àqueles homens com quem se relaciona. Não falo aqui apenas de ser submisso aos seus parceiros, mas a como o mesmo visivelmente não se conhece quanto um homem gay. Marcado por vivências com homofobia e obviamente traumatizado, se mostra desconfortável com o termo bicha e isso é uma parte importante dessa dicotomia dos personagens.
Enquanto Tigrezza lida com a rejeição, ela sabe quem é, vivencia a sua sexualidade de forma plena e o personagem de Darnley sequer entende o suficiente os próprios gostos e desejos sendo frequentemente submetido a situações insalubres em suas relações com outros homens. Uma moeda de dois lados distintos mas onde a demarcação territorial da homofobia e do racismo reverberam em pessoas tão diferentes umas das outras.
Através de um roteiro criado com uma peculiaridade particular, brincando entre o real e o irreal, assinado pelo diretor Vinícius Eliziário e Omibulo, o curta consegue nos aproximar deste elenco de artistas. Não apenas valorizando a qualidade da atuação deles, mas também trazendo o peso para as suas vivências quanto a suas criações dos personagens para os quais fazem audição.
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