Sara B. Jales compôs o Júri da Crítica com PH Santos e Renan Andrade. O júri considerou a Mostra Norte e Nordeste da seleção para premiação.Confira o filme premiado aqui
Mesmo com a quarta dose da vacina e com a flexibilição das medidas de segurança contra a COVID, o tal novo normal ainda é mais novo do que normal. No meio disso, algo que parecia inimaginável há dois anos acontece: a volta dos festivais e mostras de filmes de maneira presencial. Nessa retomada, temos um começo, o primeiro Sinistro Film Festival, festival internacional de cinema fantástico, com foco em obras de horror e terror, que não apenas foi o primeiro festival que fui desde o início da pandemia, como também meu primeiro festival compondo um júri mediado pela Aceccine.
Ironicamente, o último festival que fui antes da quarentena foi um com a mesma temática, o 3º Cine Trevas, uma mostra pequena, mas que tem seu charme. Foi interessante comparar a pequena área nos fundos de um bar com a imponência do Cineteatro São Luiz e pensar nos espaços que o cinema de gênero pode e deve ocupar, importante para mostrar que por mais que a maior referência seja o cinema hollywoodiano, também podemos fazer à nossa maneira, com nossa identidade, nossa cultura.
Como primeira edição, o Sinistro ainda tem muito a se desenvolver, mas bastante já foi conquistado e aprendido. O júri da crítica precisou escolher o filme que premiaria dentro da Mostra Norte e Nordeste Fantástico, e aí provavelmente está o aspecto que o festival mais deva repensar para futuras edições, não a curadoria em si, mas a divisão das mostras, já que também existia uma mostra de curtas nacionais. Imagino que a intenção possa ter sido dar um destaque para o eixo, mas acabou esbarrando em uma separação um tanto estranha entre estes e o “resto do Brasil”, como se tais regiões fossem algo a parte. Durante as sessões do festival os filmes não seguiram essa separação, foi algo mais direcionado para as premiações.
Fora isso, a curadoria merece todos os méritos ao escolher filmes que se enquadram na temática do festival, mas com os mais variados temas, filmes metafóricos e literais, que viajam por todas as possibilidades do recorte que o festival se propôs, histórias de horror e terror, que iam da ficção científica a espiritualidade indígena, do body horror ao slasher, sem nunca se esquecer das pautas sociais – como é comum do gênero desde seu início – e da representatividade, ainda tendo um pé nessa pandemia que segue presente em nossas vidas.
Algo que claramente se destaca é o fato de tantos filmes terem sido viabilizados através da Lei Aldir Blanc, sem querer me adentrar muito na importância do incentivo à cultura, é visível como isso foi e ainda é importante para a nossa área artística, especialmente depois de um período tão difícil e conturbado.
Falando especificamente da Mostra Norte e Nordeste que abraça completamente a variedade de histórias fantásticas proposta pela curadoria, alguns curtas já premiados mundo afora estão presentes como Sideral de Carlos Segundo e Os Últimos Românticos do Mundo de Henrique Arruda, cujas listas de premiações dispensam apresentações, obras muito bem trabalhadas desde seus conceitos até a qualidade técnica. Outras com atuações poderosas como Ar de Marcelo Oliveira e William Oliveira e o já premiado inclusive pela Aceccine Pop Ritual de Mozart Freire, mas os que mais conquistaram meu olhar provavelmente foram Quando Chegar a Noite, Pise Devagar de Gabriela Alcântara e O Primeiro Movimento é Explosão de Grenda Costa.
O primeiro foi o que escolhemos para dar o Prêmio da Crítica, e que encanta por suas referências, estética e, claro, sua história de tensão crescente que retrata muito bem o quão assustador e desgastante psicologicamente é ser mulher, trazendo pautas importantes com suas protagonistas pretas e sáficas, e sua conclusão violenta, mas que satisfaz um desejo de justiça.
Já O Primeiro Movimento é Explosão, tocou em um lugar muito mais pessoal, se tratando de uma ficção sobre um futuro distópico não muito distante que mexe com todas as pessoas que ainda estão muito ligadas a universidade pública, esse lugar tão importante para a construção de quem somos hoje e onde muitas vezes acontece o despertar político e quem vem sendo ameaçado há anos, se torna uma produção forte e que desperta um desejo de fazer algo pela mudança.
Foi bom rever nomes e rostos durante o festival e sentir que o cinema de gênero cearense e brasileiro segue lutando bravamente e ocupando todos os espaços que merece.
Sara B. Jales é bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do coletivo Dromedário. É crítica de cinema e atua em produções nas áreas de roteiro, produção, direção e continuidade. Produz conteúdo para o canal Milady Sara e contribui para o site Só Mais Uma Coisa, onde também participa de podcasts.
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